Lucas Villa diz que é mais comum a prática de crimes sob estímulo do álcool do que da maconha
Por Ananda Soares
A maconha se refere às flores e folhas secas da planta Cannabis sativa. Frequentemente ela é fumada ou vaporizada, mas também outras partes da Cannabis são transformadas em haxixe, óleos ou extratos para fins medicinais e alimentícios.
O uso e cultivo da maconha no Brasil iniciou com a colonização. O fumo-de-Angola chegou por meio dos escravos vindos em navios negreiros. A partir dos anos de 1930, motivado principalmente por fatores raciais, econômicos e políticos, o Brasil passou a reprimir o plantio, a cultura, a colheita e a exploração por particulares da maconha em todo território nacional.
Em outros países, a proibição também surgiu em meio ao preconceito contra árabes, chineses, mexicanos e negros, usuários frequentes de maconha no começo do século XX.
Com o passar do tempo, algumas nações reavaliaram a proibição da planta com uma nova mentalidade em relação à cannabis, impulsionada principalmente pela franca expansão de seu uso medicinal e pela queda de grande parte das políticas de contenção do narcotráfico.
Este ano, Nova York, estado norte-americano com mais de 8 milhões de habitantes, legalizou o uso recreativo da maconha. Essa mudança abriu espaço para uma indústria avaliada em US$ 4,2 bilhões (cerca de R$ 23,6 bilhões).
Lucas Villa defende regulamentação e controle
O advogado criminalista Lucas Villa se diz favorável à descriminalização e lamenta o fato do Brasil estar atrasado em meio à tendência de aceitação da maconha pelas superpotências.
"Cada vez mais países da Europa, América Central e América do Sul avançam na descriminalização e regulamentação do uso terapêutico e recreativo da maconha. Nos Estados Unidos, por exemplo, 39 Estados (de um total de 50) já permitem a comercialização, uso recreativo e medicinal da maconha. Em nosso país, avançamos timidamente na questão do uso medicinal, mas uma onda cultural reacionária tem nos impedido de evoluir em relação ao uso recreativo", disse.
O advogado salienta que descriminalizar a maconha não significa estimular ou mesmo permitir de forma indiscriminada seu uso. A medida pretende regulamentar, tributar e controlar com critérios objetivos a produção, comercialização e consumo, ou seja, o mesmo tratamento que drogas lícitas como o tabaco e o álcool recebem.
"Nesse sentido, não há como justificar a criminalização do uso da cannabis, seja para fins medicinais ou recreativos, quando se pode regulamentá-lo de forma apropriada e de maneiras menos drásticas para o usuário e para a sociedade", completa.
Segundo Lucas, a maconha é uma substância com potencial criminógeno extremamente baixo. Ele aponta que é mais comum a prática de crimes sob estímulo do álcool do que da maconha. "A criminalização advém muito mais de fatores culturais como a estigmatização e o preconceito do que de critérios científicos (sejam eles das ciências da saúde, sejam das ciências criminais)", conta o advogado.
Para o criminalista, a legalização/regulamentação da Cannabis ocasionaria uma série de benefícios ao país. Permitir investimentos em políticas de foco adequado, o fim da infantilização do usuário, combate ao massacre da juventude pobre e de policiais em serviço, redução da superlotação nas penitenciárias, por exemplo, são alguns deles.
Na sua visão, o proibicionismo não tem mostrado qualquer eficácia em reduzir o consumo de drogas ilícitas ou o crime de tráfico. Isso pode ser provado.
Advogado Lucas Villa
Dados do 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, divulgado em 2019, revelam que a substância ilícita mais consumida no Brasil é a maconha: 7,7% dos brasileiros de 12 a 65 anos já a usaram ao menos uma vez na vida. Em segundo lugar, ficou a cocaína em pó, com 3,1%.
A regulamentação da Cannabis possibilitaria ao usuário (consumidor) conhecimento e controle da qualidade/nocividade do produto que consome, não sendo obrigado a adquiri-lo em condições clandestinas e inseguras.
Avanços e fracassos
Do ponto de vista do advogado Gilberto Holanda, há uma tímida flexibilização nas leis proibicionistas e algumas evoluções que merecem destaque.
"A Lei 11.343 de 2006, intitulada Lei de Drogas, descriminalizou a conduta do usuário de drogas, tipificada no seu artigo 28. É um tratamento bem mais evoluído e benéfico em relação à tratativa da Lei de Drogas anterior. Mas, no entanto, descriminalizou, mas continua punindo e não liberando-a", informou.
Outro ponto mencionado pelo advogado faz referência à resolução número 327/19 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que dispõe sobre os procedimentos para a concessão da autorização sanitária para a fabricação e importação de produtos de Cannabis para fins medicinais.Advogado Gilberto Holanda
Por outro lado, há fracassos. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do Piauí (Alepi), em decisão do dia 30 de novembro, decidiu pelo arquivamento do projeto de lei do deputado Ziza Carvalho (PT) sobre o uso de medicamentos à base de Cannabis para fins medicinais.
No Brasil, desde 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza a importação de alguns medicamentos feitos à base da erva. O cultivo e o uso recreativo, contudo, seguem proibidos.
O arquivamento, ainda na fase de discussão embrionária, gerou questionamentos. "Foi um arquivamento que causou muito espanto em toda comunidade que tem interesse na legalização. Algo que, com certeza, terá novos capítulos. Devemos ficar atentos", expressa Holanda.
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