| O piloto da aeronave, utilizando um telefone celular, informou estar com pane nos equipamentos de comunicação e de rádio navegação. O piloto e os seis passageiros faleceram no acidente. |
Há exatos 20 anos acontecia uma das maiores tragédias do Piauí. Foi a queda do avião bimotor Piper PA-31 Navajo, que era operado na época pela Construtora Poty Ltda.
Sete pessoas morreram.
E, segundo as investigações, foi decorrente de perda de controle do voo.
Procedente de Fortaleza, já na noite do dia 23 de agosto de 1995, o PT-IHH chamou o Controle Teresina (APP TE) informando que se encontrava no nível 100 (Fl 100), na entrada do Terminal Teresina e pronto para iniciar a descida. Às 19:10P, o APP autorizou a descida, informou as condições meteorológicas do campo e orientou o piloto a reportar ao atingir o Fl 050 ou a 25 NM. Passados 15 minutos após o último contato e não tendo recebido o reporte previsto, o APP chamou a aeronave na fonia, não obtendo resposta.
Logo após, o controlador de vôo foi chamado ao telefone na sala AIS. O piloto da aeronave, utilizando um telefone celular, informou estar com pane nos equipamentos de comunicação e de rádio navegação. O piloto informou, também, que estava em contato visual noturno com a cidade de Teresina, que tornaria a ligar quando estivesse na vertical do aeródromo e dispensava o alerta de emergência.
Às 19:30P, o piloto efetuou outro telefonema, informando ao controlador que estava na vertical da pista e que, além da pane elétrica, desconfiava que o trem de pouso não estivesse baixado e travado. O APP sugeriu ao piloto que realizasse uma passagem baixa, para uma verificação visual do posicionamento do trem de pouso.
O piloto realizou a passagem no sentido da pista, próximo ao pátio de estacionamento, sendo observado que o trem de pouso estava em baixo, contudo, suas portas não estavam fechadas. Em seguida, às 19:45, o piloto ligou novamente para a sala AIS. O controlador informou a situação verificada, e o piloto pediu para que os observadores permanecessem no local, a fim de realizar uma outra passagem baixa e que retornaria a ligação. Esse foi o último contato com o APP Teresina.
A aeronave foi localizada no dia seguinte, por volta das 7 da manhã, a 6 Km a Nordeste do Aeroporto, totalmente destruída. O piloto e os seis passageiros faleceram no acidente.
ANÁLISE
Uma análise da época revelada pelo site Desastresaereos.net diz o seguinte: O piloto possuía grande interesse em ser efetivamente contratado pela empresa operadora. Havia, ainda, pressão familiar para que isso viesse a ocorrer. No vôo estavam sendo transportados integrantes do escalão superior da empresa, ou seja, pessoas com poder de decisão. Influenciado pela “classe“ dos passageiros à bordo e pela possibilidade de conseguir o emprego pretendido, o piloto acabou aceitando o vôo, que se desenrolaria no período noturno, mesmo sabendo das diversas discrepâncias como a pane em um dos alternadores.
Após a ocorrência da pane elétrica, o piloto mostrou-se calmo durante os três contatos, via telefone celular, com o APP-Teresina, tendo, inclusive, aceitado a sugestão do controlador de vôo para fazer uma passagem baixa na vertical do campo, para a verificação da condição do trem de pouso. Apesar da calma aparente, supõe-se que o estado emocional do piloto estivesse alterado diante do conflito estabelecido, de grau de dificuldade muito acima de sua condição para solucioná-lo. Se tudo corresse bem teria, assim, demonstrado o seu potencial aos passageiros. Essa motivação teria norteado todo o seu comportamento e a seqüência de decisões erradas, que tomou antes e durante o vôo.
O piloto, contratado para realizar o vôo na condição de “free-lancer” embora estivesse qualificado para o tipo de operação, tinha pouca experiência em aeronave Navajo, principalmente na situação de comandante, possuindo um total de apenas 13:55 horas de vôo registradas. O vôo foi realizado sem co-piloto. O passageiro que substituiria o co-piloto dizia-se piloto privado, mas acabou não comparecendo ao embarque em Teresina. No regresso um passageiro de última hora lotou a aeronave. Pelo acima exposto o piloto foi compulsado a voar uma aeronave executiva com passageiros, sem co-piloto e em vôo noturno e com discrepâncias que tornavam o trabalho mais estressante.
O vôo tinha sido planejado de forma tal que o regresso para Teresina ocorresse durante o período diurno. O piloto estava com a habilitação para vôo IFR válida e a aeronave era homologada para vôo por instrumentos. Paralelamente, não havia condições meteorológicas que comprometessem a realização de um vôo seguro. Dessa forma, tem-se que a maior preocupação do piloto em não realizar a etapa no período noturno dava-se em função de uma pane no alternador esquerdo. Ao contrário do que havia sido planejada, a decolagem só ocorreu às 17:53h, pois o avião ficou aguardando a chegada de um passageiro. Com isso, a maior parte do vôo transcorreu no período noturno.
A pane elétrica somente ocorreu após às 19:10P, já na Terminal Teresina (54NM de SBTE), quando o piloto, via telefone celular, informou que havia perdido os sistemas de comunicação e de rádio-navegação. A partir desse momento, o piloto apresentou diversas dúvidas e tomou algumas decisões que demonstraram sua falta de conhecimento da aeronave e seus sistemas, sua pouca experiência como comandante e a provável inexistência de manuais a bordo. Na segunda ligação telefônica, o piloto informou que, além da pane elétrica, desconfiava que o trem de pouso não estivesse completamente baixado e travado. Após sugestão do controlador, resolveu realizar uma passagem na vertical do campo. Nesse ponto, observa-se que o piloto deixou de concentrar-se na pane elétrica e priorizou uma possível pane do abaixamento do trem de pouso. Todavia, o “check-list” do avião, quando se refere à falha do sistema elétrico decorrente da falha dos alternadores, diz que o vôo deve ser encerrado tão logo seja possível.
A decisão de fazer uma passagem baixa sobre o campo, estando com o trem de pouso baixado, também não deve ter sido bem analisada pelo piloto, pois como o avião não possuía bombas de recalque e estava passando por uma pane elétrica, não seria possível utilizar o reforço das bombas elétricas de combustível durante a arremetida. Durante a passagem sobre o campo, foi observado que o trem de pouso estava baixado e as portas do trem abertas. Essa informação foi transmitida para o piloto, quando da terceira ligação, às 19:45P. Diante desse quadro, o piloto disse que faria uma outra passagem para que fosse verificada novamente a posição do trem de pouso.
Mais uma vez o piloto decidiu erradamente por falta do manual a bordo (para consulta) e de insuficiente conhecimento da operação dos sistemas da aeronave, uma vez que o referido manual prevê que as portas do trem de pouso ficarão abertas quando ocorrer uma falha elétrica. Verificou-se que o tempo decorrido entre a primeira e a última chamada, via telefone celular foi de aproximadamente 30 minutos, tempo máximo de utilização de uma bateria aeronáutica em sua melhor condição, após a falha de sistema de alternadores.
De acordo com a análise dos destroços e a posição em que foram encontrados, verificou-se que a aeronave estava na perna do vento afastada, em curva para a esquerda, como se estivesse querendo enquadrar a perna base. O motor direito estava inoperante na hora da colisão com o solo e a hélice embandeirada. O motor esquerdo estava na condição de pouca potência ou de potência reduzida e o trem de pouso estava baixado e travado. A hipótese mais provável é a de que a aeronave arremeteu com curva à esquerda para a perna do vento. O combustível para a continuação do vôo era suficiente e a seletora estava na posição correta. Havia necessidade de aplicar, praticamente, a potência de decolagem, já que a aeronave estava com trem de pouso em baixo e com sete pessoas a bordo. Entretanto, durante essa seqüência de arremetida, como a aeronave estava com pane elétrica e, conseqüentemente, sem as bombas elétricas de combustível, ocorreu falha de alimentação, provocando o apagamento do motor direito e a redução na potência do motor esquerdo. Diante dessa situação, voando a baixa altura e noturno (com poucas referências visuais), pode ter ocorrido uma das situações:
- diante das inúmeras anormalidades em desenvolvimento, as condições de operação alcançaram tal grau de dificuldade, que o piloto não foi capaz de gerenciar a situação perdendo o controle da aeronave;
- diante das inúmeras anormalidades presentes, da reduzida informação de controle de vôo e da falta de referencia externas é provável que o piloto tenha sofrido desorientação espacial e perda de controle, sem chances de recuperação pela reduzida altura do vôo; ou
- nas circunstâncias acima ocorreu o esgotamento da bateria e a perda total de energia elétrica. Agravou essa situação a falta de pontos de referência no solo no setor. Sem condições de visibilidade externa o piloto não teve chances de se orientar e manter o vôo seguro.
CONCLUSÃO
-Fator Humano – Aspecto Psicológico - Contribuiu
-No nível organizacional, a empresa tinha conhecimento de uma série de deficiências da aeronave e não providenciou a manutenção corretiva, aumentando desnecessariamente a carga de trabalho do piloto e os riscos da operação.
Os passageiros pressionaram o piloto, “free lancer” e pouco experiente, a efetuar um vôo sem co-piloto e em condições que contrariavam os procedimentos de segurança de vôo. Ao nível pessoal, o piloto tinha consciência das dificuldades que lhe eram impostas para operar a aeronave. Numa atitude de resignação aceitava condições de operação muito difíceis, inclusive contrariando o RBHA e os manuais da aeronave. O piloto precisava mostrar desempenho impecável para tentar obter a efetiva contratação da operadora.
FATOR OPERACIONAL
(1). Deficiente Instrução - Contribuiu
O processo de treinamento do piloto na operação da aeronave foi deficiente, levando-o a realizar procedimentos incompatíveis com os previstos no manual do avião.
(2). Deficiente Manutenção - Contribuiu
Os serviços de manutenção, nos níveis preventivo e corretivo, não estavam adequados, pois a pane do alternador provavelmente já havia se caracterizado antes da decolagem de Fortaleza para Teresina, e não foi adotada nenhuma medida para solucionar a mesma.
(3). Deficiente Julgamento - Contribuiu
O piloto não avaliou adequadamente os riscos decorrentes da operação noturna, estando com uma pane no sistema elétrico (alternador esquerdo) e sem co-piloto. Após a pane ter se caracterizado, o piloto também não fez uma correta avaliação ao decidir por uma arremetida para nova passagem na vertical da pista e ultrapassar o tempo máximo de operação da bateria.
(4). Deficiente Planejamento – Contribuiu
O planejamento inicial, ou seja, vôo com um co-piloto e o retorno durante o período diurno, não foi cumprido. Assim, a opção pelo regresso no período noturno apresentou-se como inadequada preparação para o vôo (um vôo de risco), já que a aeronave estava com uma pane no alternador esquerdo.
(5). Esquecimento - Contribuiu
O piloto deixou de realizar o procedimento previsto para pane elétrica, que seria “pousar assim que possível”. Além disso, houve o esquecimento de que as portas do trem de pouso não se fechariam com esse tipo de pane, as bombas elétricas de combustível estariam inoperantes durante a arremetida e que, a duração da bateria seria de, no máximo, 30 minutos em caso de falha dos alternadores.
(6). Pouca Experiência de Vôo na Aeronave - Contribuiu
Os erros cometidos pelo piloto resultaram da sua pouca experiência na aeronave e, mais especificamente, na condição de comandante.
(7). Deficiente Supervisão - Contribuiu
Houve inadequada supervisão no planejamento e na execução do vôo, envolvendo os níveis administrativo, técnico e operacional, que se caracterizaram pela contratação de um piloto “free-lancer”, com pouca experiência, sem co-piloto e pela operação de uma aeronave no período noturno, estando com diversas panes inclusive uma pane de alternador.
RECOMENDAÇÕES DE SEGURANÇA DE VÔO
A Construtora Poty Ltda ficou de elaborar um Programa de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (PPAA) ; deverá, através do setor de operações, realizar atividades de reciclagem dos conhecimentos dos pilotos, dando destaque para os procedimentos de emergência e a operação dos sistemas das aeronaves que voam; e deverá, quando da contratação de pilotos, verificar o que preceitua a legislação aeronáutica (Lei nº 7.183, de 05 Abr. 84, art. 2º), de forma a não operar com pilotos “free-lancer” e deixar de cumprir o previsto no RBHA.
Os SERAC deverão divulgar os ensinamentos contidos nesse relatório, dando ênfase ao aspecto Gerenciamento de Risco; À luz dos acontecimentos contidos nesse relatório, aprimorar a fiscalização na aviação geral e executiva nos aeródromos onde houver SAC e implementar a realização de blitz (SAC itinerante) em época e locais de maior movimento; conscientizar os proprietários de aeronaves, administradores, pessoal de apoio e tripulantes para os riscos decorrentes do uso indevido das aeronaves, tais como: deficiente manutenção, treinamento insuficiente de tripulantes e composição irregular de tripulação; e conscientizar a comunidade aeronáutica para os riscos do vôo além da capacidade, tanto para os tripulantes quanto para os proprietários, que eventualmente são vítimas da própria usura, inconseqüência e irresponsabilidade.
O SERAC-2 deverá realizar vistoria técnica no setor aeronáutico da empresa Construtora POTY Ltda; e realizar blitz nas dependências do aeroporto Alto da Balança, em Fortaleza.
FONTE:O OLHO
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