Há dez anos, mais precisamente, dez anos e 13 dias, o estado do Piauí registrou uma das maiores tragédias de sua história: o desmoronamento da barragem de Algodões, em Cocal, cidade localizada na região norte do estado, que provocou a morte de nove pessoas imediatamente após o ocorrido.
Segundo bispo dom Alfredo Schafler, de Parnaíba, houve mais duas mortes posteriormente, provocadas pelo desespero e falta de assistência do poder público. As vítimas não tiveram amparo imediato e precisaram recorrer à Justiça para garantir suas indenizações.
Dez anos depois, ainda não conseguiram ser indenizadas em sua plenitude. Falta uma parte a ser quitada pelo governo do estado, responsável pela tragédia. O então governador, que é o mesmo de hoje, ficou livre, pelo menos por enquanto, da acusação de homicídio culposo – aquele em que não se tem a intenção de matar.
Mas é responsável pelos danos causados na estrutura do lugar. E foram muitos e tantos que até hoje a economia de Cocal não se recuperou completamente. E nem da região. Mesmo assim, o chefe do executivo estadual se mantém líder político absoluto na região. Sobretudo na parte mais atingida. Já em 2010, ano seguinte à tragédia, ele foi o terceiro candidato a senador mais votado, apesar da repercussão negativa em torno da tragédia, que ganhou dimensão nacional.
Naquele ano, ele foi eleito senador com cerca de um milhão de votos. A oposição foi derrotada e perdeu suas duas vagas no senado – Francisco Moraes Souza (Mão Santa) e Heráclito Fortes. O governador conseguiu se eleger novamente governador no pleito seguinte (2014) e se reeleger em 2018. Como se vê, para ele a política é uma razão de existir. Para as vítimas de Algodões, lhes foi negado inclusive esse direito supremo.
O jornalista que vos escreve foi processado na época por denunciar a negligência do governo em relação às vítimas da tragédia. No primeiro ano do acontecimento, em 2010, o bispo de Parnaíba fez um pronunciamento sobre o assunto e criticou duramente o governador, sua esposa, então coordenadora de ação social do estado, e outros auxiliares diretos do governo.
Este repórter transcreveu a fala do bispo em matéria para portal de notícias de Teresina e uma emissora de rádio. Logo em seguida houve o processo judicial. Pressionado pelo governo, o bispo negou que tivesse concedido entrevista ao jornalista. Ora, na matéria nunca se disse que se tratava de uma entrevista. Era matéria feita com base em sua homilia na missa de um ano.
O caso foi esclarecido quando o bispo falou ao jornalista e confirmou tudo que havia dito durante a celebração. O processo judicial já havia sido arquivado. O governador não pode atentar contra a liberdade de expressão. Esta tem sido a compreensão da justiça piauiense na maioria dos casos de ações contra este que vos fala. Mas, sigamos adiante.
O caso da barragem é de responsabilidade do governo do estado por duas razões simples: 1) os moradores já haviam se retirado de suas residências na área de abrangência de Algodões, alertados que foram pelo Corpo de Bombeiros. Estavam prestes a se alojar em escolas públicas e outros prédios públicos do município de Cocal. Mas uma determinação para que voltassem partiu da então presidente da Emgerpi, em nome do governo. 2) O governo do estado contratou uma engenheiro experimentado para dar um laudo informando que barragem não apresentava nenhum risco de rompimento. O laudo foi feito, emitido, pagou-se uma fortuna pelo mesmo. No dia seguinte, a barragem desmoronou e os prejuízos chegam a cerca de R$ 100 milhões – não totalmente indenizados até o presente momento.
Muitas matérias e editoriais têm sido feitos ao longo de todo esse tempo. Mas o governador faz de conta que não tem nada com isso. De outro lado, o questionamento que fazemos diante disso é por que os senhores defensores da vida humana e dos direitos sociais não fizeram nenhum protesto em 27 de março para pressionar o governo do Piauí diante da negligência em torno do caso Algodões. Ao mesmo tempo, ficam procurando chifre em cabeça de cavalo no tocante aos projetos do governo federal por se tratar de uma administração que não atua segundo o seu espectro político. Ou seja, a esquerda brasileira e piauiense está muito mal de julgamento e talvez resida nesse aspecto o fato de que o Piauí segue muito mal. Muito mal mesmo. (Toni Rodrigues)
FOTO - DOM ALFREDO, BISPO DE PARNAÍBA
Fonte:blog Toni Rodrigues